quinta-feira, 30 de junho de 2011

Com Darma e Com Afeto – parte III


Tive, durante o percurso destes anos, a oportunidade de estar mais algumas vezes com o Lama, numa delas recebi, em Fortaleza, cidade onde nasci e moro, o nome de Padma Rishi (Padma significa lótus, e Rishi, raios de luz, algo, aproximadamente, como “Aquele que Vê do Lótus”); a última vez que estive com meu professor, como ouvinte, para receber ensinamentos, praticar, foi no CEBB Darmata, situado na Fazenda Nossa Senhora, Km 7, Zona Rural da cidade de Timbaúba, a cerca de 100 Km de Recife, com a sanga (grupo de praticantes) local, atualmente minha sanga. “Darmata significa compreendermos o âmbito de realidade onde não há nascimento nem morte. Nós entendemos que a vida toda é como manifestação permanente de um grande oceano. É permanente. Então quando nós conseguimos viver os aspectos transitórios e ao mesmo tempo nós percebemos essa vida incessante, que produz a aparência transitória da vida como nós vemos visualmente, quando nós percebemos isso, é a visão espiritual mais elevada. A visão espiritual mais elevada, portanto, não abandona a visão do mundo. Ela integra a visão do mundo com a visão mais profunda. Então nós vamos reconhecer que a visão do que está na nossa frente tem um reflexo natural da realidade espiritural” (Padma Samten).
Antes de conhecer, estar, praticar, estabelecer uma conexão, com o Lama, tive a oportunidade de receber iniciações e ensinamentos de S. Ema. Chagdud Tulku Rinpoche , Lama do meu Lama. Lama da escola Nyingma de Budismo Vajrayana, da última geração que pôde ser formada livremente naquele país, antes da invasão chinesa de 1950, em 1995 Chagdud Tulku Rinpoche estabeleceu-se no Brasil. Meu professor convidou S. Ema. para ensinar no Rio Grande do Sul e, em 1994, facilitou a compra das terras, no município de Três Coros, onde o Rinpoche construiu o centro de budismo tibetano denominado Chagdud Khadro Ling. O Centro de Estudos Budistas Bodisatva (CEBB), fundado por Alfredo Aveline (nome secular do meu Lama) em 1986, organizou os primeiros ensinamentos do Rinpoche no sul do Brasil. Reconhecendo suas qualidades como meditador, Chagdud Rinpoche ordenou-o como Lama Padma Samten (Padma significa lótus, e Samten, estabilização meditativa, algo, então, como Meditação do Lótus) no Khadro Ling em dezembro de 1996. O paranirvana (morte) do Rinpoche ocorreu em 17 de novembro de 2002. Quem foi Chagdud, nas suas próprias palavras: “Se eu tivesse que deixar somente um legado, seria o da sabedoria da motivação pura. Se eu tivesse que ser conhecido por um único título, seria o de lama da motivação. No momento em que os nossos corações se inclinam à compaixão por todos os seres, a nossa motivação se expande em direção à motivação todo-abrangente de um bodisatva” (bodisatva, de forma simples, é aquele que, alcançando lucidez, dedica-a, por meios hábeis, em benefício dos seres). (Observação: no final de “Com Darma e Com Afeto”, vou postar um pequeno glossário com os termos aqui utilizados, bem como, uma bibliografia mínima de referência.)
Depois de ser aceito como aluno do Lama, tive, também, a oportunidade de receber ensinamentos transmitidos por Ani Zamba, que atualmente conduz o projeto Visão Dipamkara, em Mucugê, na Chapada Diamantina, BA, e Monge Rinchen, Plenamente Ordenado na tradição Sakya, Diretor Espiritual do Mosteiro Sakya Thupten Deckyi Öedbar, em Cabreúva, SP. E pratiquei, e posso dizer que ainda (também) pratico, na tradição do Zen, tradição em que praticou, inicialmente, o Lama. Nessa tradição, minha conexão é com Tokuda San, tive a oportunidade de participar de um seishin (retiro, nessa tradição), praticar zazen (meditação, nessa tradição), sentar, com o Mestre, no Mosteiro Serra dos Pirineus (Eisho-ji), em Pirenópolis, GO.  Na viagem que me levou ao meu primeiro retiro com o Lama, já havia tido a oportunidade, antes de estar com meu professor, de praticar no Mosteiro Morro da Vargem, fundado, em 1976, por Mestre Tokuda; posteriormente, em oportunidade mais recente, pratiquei no Mosteiro Zen Pico de Raios, também fundado pelo Mestre, em 1984, em Ouro Preto, MG, com a Monja Mariângela Ryosen. Há que fazer referência também, na minha prática, apesar de ter com ele estabelecido conexão apenas através de livros, a Chögyam Trungpa, realizado mestre tibetano que apresentou ao ocidente, em 1978, os ensinamentos de Shambala, O Caminho Sagrado do Guerreiro, caminho espiritual simples e objetivo, destituído de dogmas, que prima pela idéia de aliar espiritualidade e vida cotidiana, a exemplo do Zen, e guarda um sentido de transmissão direta da lucidez, do espírito de iluminação. “Geralmente, a religião é ligada ao fato de punir a si mesmo. As pessoas levam muito à sério até hoje o pecado original. Deveríamos deixar isso de lado. Talvez a bondade original devesse substituir o pecado original”, afirmou o mestre em 1985.
Até agora, foram esses meus mestres, professores, na terminologia do budismo tibetano, lamas. Mas o que é o Lama para mim? Começo agradecendo a generosidade de Alfredo Aveline por seguir sendo meu professor e de tantos mais, número que segue aumentando. Sigo confessando minha relação vez ou outra conflituosa com meu Lama, como demonstrada no episódio, já contado, em que questionei, na Prática de Tara Vermelha, a validade de se sair de uma prisão para entrar em outra... e dele recebi a devida resposta: “É pegar ou largar”. Episódio seguido, na continuidade, no mesmo primeiro retiro, por uma estocada sua, que conto agora, quando se dirigiu, na sanga, a mim, não sei ou não lembro por que, mais ou menos com as seguintes (e irônicas) palavras: “Quem vê o Silvio assim...”, provavelmente referindo-se ao meu trato cuidadoso e carinhoso, especialmente com as crianças, “...não sabe...”. Ainda não perguntei ao Lama sobre as reticências, possivelmente não se recorde do episódio, faz muito tempo, mas, é quase certo, referiu-se a algum aspecto meu (que de fato existia, de alguma forma ainda existe) para lá de infernal (risos). Há pelo menos mais um fato, exemplar, a contar, chegaremos lá. Sim, como visto, essa relação não é um mar de rosas, mas, como diz meu professor, meu querido Lama,“Se não permitirmos que as pessoas conectem-se como lhes for possível, com as características que tiverem, com os interesses que manifestarem, não vai funcionar”.
Gate Gate.
continua...