segunda-feira, 4 de julho de 2011

Com Darma e Com Afeto – parte IV



Na penúltima vez em que o Lama esteve aqui, em Fortaleza, CE, fui convidado a fazer sua apresentação na primeira palestra de sua programação na cidade. Não estava num dia, mesmo num período, bom e, aliado a isto, e principalmente, equivoquei-me, destes equívocos que fazem parte da ignorância, avydia, envolvi-me com a burocracia do ego e avaliei, e numa fração fria de segundo, e por mim e, maior equívoco ainda, por meu Lama, que não seria “elevado” apresentar meu professor por experiências, formações, graduações, títulos, iniciações, organizações, que ele seria o próprio darma e apresentar-se-ia por eles, os ensinamentos que transmitiria, e seria o bastante e o mais “espiritual”. “Toda vez que nos pomos a fazer avaliações, decidindo se devemos ou não fazer isto ou aquilo, já teremos associado nossa prática ou nosso conhecimento a categorias contrapostas umas às outras, e isso é materialismo espiritual”, ensina Chögyam Trungpa, em “Além do Materialismo Espiritual”, ainda: “É importante notar que o aspecto principal de qualquer prática espiritual é deixar para trás a burocracia do ego, isto é, deixar para trás o constante desejo do ego de adquirir uma versão mais elevada, mais espiritual, mais transcendental do conhecimento, da religião, da virtude, do julgamento, do conforto ou de qualquer particularidade que um determinado ego esteja procurando”.

Alfredo Aveline foi professor, por 25 anos, no Departamento de Física e no Curso de Filosofia (introdução da física para filósofos), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde estudou e fez mestrado. Manteve, durante esse tempo, participação ativa nos movimentos ecológico e popular, dedicando-se especialmente ao estudo de energias e tecnologias alternativas, bem como, das alternativas comunitárias. Chegamos no ponto de contar, acerca da minha relação conflituosa com o Lama, o, mais um, fato exemplar sobre isto. O Lama talvez não se lembre, também, passaram-se muitos anos, aconteceu em Fortaleza mesmo, aqui, depois de um passeio, nós dois, de bicicleta, quando o deixei na casa onde estava hospedado e lhe disse que queria, um dia, ouvi-lo sobre a sua fase bicho-grilo. O Lama respondeu-me, firme e sisudo: “Eu nunca me envolvi com drogas!”. Eu tentei explicar que aqui, no lugar onde moro, para mim, pelo menos, e foi neste sentido que usei, bicho-grilo... bom, pareceu-me, no momento, que o Lama não estava interessado na explicação, parei, calei-me (risos), explico agora: bicho-grilo, ainda que tenha sido, eventualmente, o termo, associado ao uso da maconha, é quem vive um estilo de vida informal, que não segue padrões “normais” de consumo e comportamento, que gosta de paz e amor, na década de 60 chamado de hippie, os hippies da contracultura, sucedidos pelos “alternativos”, que viveram experiências comunitárias, experiência que o professor universitário Alfredo Aveline viveu no final dos anos 70, começo dos 80. Bom, ainda gostaria que o Lama me contasse sobre este período, quando, motivado por uma experiência de vida auto-sustentável em meio à natureza, onde pudesse testar e testemunhar o uso de tecnologias alternativas, aprofundar a prática do yoga e pesquisar questões da física quântica, teoria que via (e continua vendo) afim do pensamento budista, experimento que atraiu e abrigou muitos idealistas, tornou-se ponto de convergência de jovens, fundou a comunidade alternativa de Rodeio Bonito, na encosta do Planalto, um lugar montanhoso no Rio Grande do Sul, entre os municípios de Taquara e Três Coroas, no Vale do Rio Paranhana, terreno que depois doou para construção do Khadro Ling, já referido, pelo Lama Chagdud Rimpoche.  
Na minha ingenuidade incurável, mas cada vez menos alienada (risos), permaneço, desde adolescente, um romântico idealista, experiências de vida alternativa sempre me fascinaram, ainda que hoje não seja exatamente assim, continuam sendo vistas, por mim, como sonhos comunitários possíveis, mas guardados o estado evolutivo humano atual, a realidade pragmática do sistema dominante (de corações e mentes), a época de degenerescência (do samsara, da roda da vida) que vivemos, condições que terminaram por minar as várias experiências comunitárias que fizeram época no Brasil, no mundo. Há uns cinco anos estou envolvido num projeto que tenta aproximar-se disso, numa ação de quem já participou de política (ecológica) e hoje prefere a micropolítica, o Moksa Yby (Moksa, do sânscrito, significa liberação, Yby, do tupi, terra, algo como Terra da Liberdade, portanto), mas isto é outro assunto, voltemos à biografia do meu querido professor.
O seu primeiro contato com o budismo já havia ocorrido na década de 70, através de leituras e de amigos praticantes, mas foi no retorno, depois da experiência comunitária, à universidade que o aceitou. Em 1982 a conexão com o budismo já estava estabelecida. Seguiu na tradição do Zen, ao mesmo tempo em que estudava os textos tradicionais (sutras) e também os ensinamentos de outras correntes budistas e não-budistas, tendo recebido treinamento de professores de várias tradições, viajado à Ásia em muitas ocasiões. Fundou, em 1986, em Viamão, RS, a 25 Km de Porto Alegre, o Centro de Estudos Budistas, ao mesmo tempo em que se tornou um dos co-editores da revista Bodisatva. A transição para o budismo tibetano começou em 1993, quando Chagdud esteve em Porto Alegre pela primeira vez. Pouco depois recebeu de seu mestre os votos de refúgio e o nome de Padma Samten. Nesse período contribuiu com um esforço enorme para trazer grandes mestres para o Brasil, incluindo Sua Santidade o Dalai Lama. Em 14 de dezembro de 1996, no Khadro Ling, em Três Coroas, foi ordenado lama pelo Rimpoche. O antigo CEB tornou-se o Centro de Estudos Budistas Bodisatva. Hoje exerce suas atividades em inúmeras cidades e locais por todo o Brasil, com CEBB estabelecidos no Rio Grande do Sul, em Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina e Paraná.
Lama Samten publicou  Jóia dos Desejos, Meditando a Vida, O Lama e o Economista, Relações & Conflitos e Mandala do Lótus, livros que são referências de estudo para alunos e interessados no conhecimento de vinte e seis séculos ensinado pelo Buda e transmitido pela mente viva do Buda, incessantemente presente, através dos mestres, do meu mestre.
Gate Gate.
continua...

Um comentário:

  1. Longa vida ao Lama Padma Samten, que suas aspirações esplêndidas possam se concretizar.

    Que boas as suas reflexões e escrituras.

    EMAHO!

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